O que sinto faz parte do que  vejo.
  Provérbio Maltês.  
2.1 Imaginário sobre liderança e contexto histórico geracional
O presente capítulo  trata dos temas imaginário e gerações, recortes definidos para se desvendar o  tema central liderança. Por estas “janelas” é que se pretende encontrar alguma  vertente, modelo teórico que possa alimentar a curiosidade  de saber,  de ampliar a visão. As categorias temáticas imaginário e gerações guardam em si  representações e imagens, e são esses “tesouros” os elementos motivadores da  investigação. 
  Compreender  esses conceitos parece ser condição precípua para que se possa seguir. 
  2.1.1  Imaginário:  formas de expressão e estruturação do conceito
  O que se  pretende aqui é configurar as bases teóricas sobre o imaginário nas quais se  sustenta esta pesquisa, traçando-se um panorama geral, contextual e ao mesmo  tempo focado em uma perspectiva geracional. 
  Não se  trata, portanto, de explorar à exaustão o tema imaginário mas, como dito,  selecionar alguns elementos que sirvam de suporte à análise dos dados  constantes no Capítulo 4.
  Mais  recentemente, a partir dos anos oitenta, teóricos e pesquisadores passaram a  sugerir que as organizações são, essencialmente,
  [...] realidades  socialmente construídas, que estão muito mais nas cabeças e mentes de seus  membros do que explicitadas em conjuntos concretos de regras e formas  específicas de relacionamentos. [...] Isto quer dizer que cada aspecto  componente do todo organizacional tem uma respeitável dose de significado  imaginário e implícito que pode ser entendido como o sentido dado à realidade  que é, por sua vez, compartilhado por todos os integrantes dessa cultura. 
  [...] Para as pessoas, a entidade organizacional só toma reais contornos  na medida em que reflita aquilo que se acredita que ela seja (BERGAMINI, 1994,  p. 118-120).
  Nesse  sentido, o imaginário social constrói a identidade coletiva e,  além de designar identidades e papéis a serem  representados, expressa necessidades sociais e delimita os caminhos  para atingi-las.
  São vários saberes e vários olhares  que configuram o imaginário social. Lidar com a complexidade da realidade dos  fenômenos sociais e do universo em geral nunca é um estabelecimento simples de  correspondência com a complexidade e sofisticação do pensamento humano. Na  tentativa de encontrar uma aplicação ou funcionalidade para o que se conhece ou  se imagina, a ação quase sempre se reveste de uma aparência muito mais simples  do que a que lhe deu origem. Aprofundar o estudo do imaginário é não só  compreender os seus múltiplos significados mas apropriar-se deles, é pensar  criticamente, o que pode abrir alternativas para se enfrentar e gerir  contradições. “Além de depender dos significados que atribui a seu trabalho, o  indivíduo também depende de seus referenciais de ação, ou seja, das  representações por meio das quais ele configura a realidade e seus problemas”  (MALVEZZI, 1995, p. 29). 
  Basicamente podem ser identificadas  várias vertentes para o estudo e a compreensão do imaginário. Tem-se, por  exemplo, de um lado, a corrente psicanalítica, que reconhece o simbólico como a  via de acesso ao imaginário, e, de outro, a corrente sociológica, que firma uma  posição de conceber o imaginário como uma representação coletiva e não  necessariamente simbólica. Também a filosofia e a antropologia incluem  elementos conceituais que acrescem à  tematização do imaginário, fugindo ao propósito desta dissertação discorrer  sobre todos eles. 
  Neste trabalho, contudo, têm-se  como referências as correntes sociológicas, mais especificamente a vertente que  compreende o imaginário como interpretação,  conforme classificação proposta por Verlindo (2004). O autor distingue cinco dimensões do  imaginário social nos estudos brasileiros, a saber: (1) o imaginário como dominação, associando-o ao poder  produtor de subjetividades, dimensão na qual sociedade moderna é sociedade  disciplinar; (2) outros estudos vinculam imaginário às diversas formas de  interpretação da realidade social, ou seja é o entendimento do imaginário como interpretação; (3)um outro grupo, que toma o imaginário como um mecanismo  lingüístico, com regras próprias e contextuais que servem para construir a  realidade social, estabelece o imaginário como criação; (4) o imaginário social, nessa quarta possibilidade, é  concebido a partir das diferenças que se estabelecem entre os grupos sociais,  tornando-se então imaginário como distinção, onde as diferenças são vistas culturalmente sem que se elimine a idéia de  que existem condições objetivas que estabelecem diferenças entre grupos e  classes sociais; e por fim, (5) o imaginário como simbolização tomado como uma linguagem simbólica que indica como  determinados sujeitos percebem a realidade.
  Em quaisquer das dimensões do imaginário social (dominação,  interpretação, criação, distinção e simbolização) percebe-se que as mesmas se  voltam menos para a razão do que para a emoção, menos para a mobilização de  conceitos e idéias do que para a mobilização de imagens e sensações. 
  Ferreira (2002), além de destacar a  complexidade do tema imaginário, chama atenção para o fato de que ele só se  tornou objeto de interesse, para as várias áreas do saber, a partir de meados  do século passado. 
  A imaginação tornou-se, na  atualidade, caminho possível tanto para o acesso ao real, quanto para se  vislumbrar em possibilidades que venham a se tornar realidade. Não obstante o fato de que imaginação  e imaginário não possam ser entendidos como sinônimos, pois que a primeira se  traduz em uma faculdade ou atividade psíquica individual e o imaginário é  sempre uma representação coletiva, há uma evidente correlação entre eles. 
  Desse modo, há uma série de termos  interdependentes que conferem uma complexidade ímpar ao estudo do imaginário. Os  elementos constitutivos representações, símbolos e imagens  e as categorias  analíticas rito, mito, ideologia e utopia estão fortemente presentes nos  estudos sobre o imaginário. Franco  (apud FERREIRA, 2002, p. 28) considera  que essas três últimas modalidades se entrelaçam. 
  O  mito foca sua atenção em um passado indefinido para explicar o presente, a  ideologia projeta no futuro as experiências históricas do grupo – concretas e  idealizadas, passadas e presentes; a utopia parte do presente na tentativa de  antecipar ou preparar um futuro que é recuperação de um passado idealizado. 
  Como se confirmará mais adiante, essas  categorias assumem grande relevância ao se estudar o imaginário geracional,  mais especificamente o imaginário geracional  sobre liderança. 
  Os conceitos extraídos das teorias  sociais, filosóficas e psicológicas variam desde a associação a terminologias  tais como ficção, fantasia e ilusão, até processos de produção de conhecimento.  Também são atribuídas ao termo imaginário dimensões políticas, econômicas e  sociais. 
  O  termo imaginário é ‘utilizado como sinônimo de fictício, ilusório, fantástico,  inventivo e até errôneo’. Em sua origem configura uma imagem ou realidade  secundária, torna-se uma semelhança daquilo que apreende, uma aparência  constituída pela reflexão do homem. O imaginário é, nesse sentido, uma  representação das coisas que existem no mundo (FERREIRA, 2002, p. 20).
  Le Goff (1994, p. 14-15) considera  que três termos auxiliam no esforço de se desvendar o conceito de imaginário: a representação, que “engloba todas e  quaisquer traduções mentais de uma realidade exterior percebida e que está  ligada ao processo de abstração”; o simbólico, que só é concebido “quando o objeto considerado é remetido para um sistema de  valores subjacentes, histórico ou ideal”; e as imagens, que se revelam “no decorrer da simples observação. As  verdadeiras imagens, contudo, são concretas e há muito tempo constituem o  objeto de uma ciência individualizada: a iconografia”.
  Produzem-se imagens pelo fato de  que todas as informações processadas pelo pensamento sempre são percepções. Nas  representações do real, os símbolos são criados como mecanismos de atribuição  de significados. A presença dos símbolos, na sociedade da informação, eleva a  representação imaginária a um status sem precedentes, uma vez que os fenômenos históricos imaginados passam a ser  percebidos como reais e não mais como invenção ou fantasia. Presentes na  comunicação, os símbolos são, portanto, formas de criação de vínculos sociais e  de significação cultural. Muito mais do que os sentidos próprios de cada sujeito  em sua subjetividade, os símbolos   expressam a formação de uma identidade coletiva, que permite ao  indivíduo não só a compreensão de si mesmo, como a estruturação de seus elos de  pertencimento. A psicanálise de Freud, por exemplo, considera os símbolos a  partir dos significados contidos na história individual e coletiva, quando  preconiza que os indivíduos produzem seus sonhos coletivos (mitos) e sonhos  pessoais utilizando imagens que são registros transfigurados e sublimados de  suas experiências individuais (LAPLANTINE; TRINDADE, 1997).
  Para Ferreira (2002, p. 24),
  [...] a representação do real é compreendida através  de imagens que foram constituídas mediante o sentido conferido às coisas. Nessa  direção, o imaginário permite entender representações coletivas que a sociedade  produz, uma vez que os significados atribuídos ao real entrelaçam-se com as  estruturas simbólicas [...].
  O conceito de  imaginário que sustenta esta dissertação pode ser encontrado em Castoriadis (1982,  p. 13):
  [...] criação  incessante e essencialmente indeterminada (social-histórica e psíquica) de  figuras/formas/imagens, a partir das quais somente é possível falar-se de  ‘alguma coisa’. Aquilo que denominamos ‘realidade’ e ‘racionalidade’ são seus  produtos.
  O autor (ibidem, p. 154) sugere que o imaginário  utiliza o “simbólico não somente para exprimir-se, o que é óbvio, mas para  existir, para passar do virtual a qualquer coisa a mais. [...] o simbólico  comporta quase sempre um componente racional-real, o que representa o real ou o  que é indispensável para o pensar ou para o agir [...]”.
  A definição de imaginário proposta por Lapierre (1995, p.  30) acrescenta, contudo, que:
  Imaginário é um  universo fantasmático, em parte inconsciente, subjacente ao pensamento e à ação  de um sujeito e que estrutura tanto sua relação com seu  mundo interior quanto com o mundo exterior. A  palavra imaginário aqui utilizada remete ao processo e ao produto da  imaginação, tanto em sua dimensão cognitiva   (as  idéias,  os   pensamentos e as concepções de vida) quanto em sua dimensão afetiva  (os  afetos, os  desejos e as defesas psicológicas),  permanecendo as duas dimensões indissociavelmente ligadas. 
  Assim,  pode-se dizer que para Lapierre (1995) há pelo menos dois componentes presentes  na representação imaginária. O primeiro surge como profundamente pessoal, o  fantasma; já a  imaginação é, ao mesmo  tempo, pessoal e pública – pessoal, na medida em que é criada e mágica, e  pública, por se referir ao enquadramento social, ao processo de assimilação da  cultura. 
  O real não é só um conjunto de fatos. As representações  socioculturais caracterizam uma época. Tais figurações situam-se no território  de concepções individuais que se coletivizam, passando a expressar um ethos característico daquele momento. Os  símbolos revelam o que está por trás da organização da sociedade e da própria  compreensão da história. A imaginação é um dos modos pelos quais a consciência  apreende e elabora a vida. A consciência obriga o homem a sair de si mesmo, a  buscar satisfações que ainda não encontrou.
  Antes de se  constituírem em fenômeno histórico-geográfico, as organizações estão  representadas simbolicamente, configurando-se como um complexo de sistemas  imaginários (SCHIRATO, 2000). 
  A organização não pode  viver sem segregar um ou mais mitos unificadores, sem instituir ritos de  iniciação, de passagem e de execução, sem formar os seus heróis tutelares  (colhidos com freqüência entre os fundadores reais ou os fundadores imaginários  da organização), sem narrar ou inventar uma saga que viverá na memória coletiva:  mitos, ritos, heróis, que têm por função sedimentar a ação dos membros da  organização, de lhes servir de sistema de legitimação e de dar assim uma  significação preestabelecida às suas práticas e à sua vida (ENRIQUEZ, 1992,  p. 34).
  O pensamento científico  característico do século XIX demarca a dicotomia ciência-imaginário,  razão-desejo. Nessa perspectiva, a história assume uma cisão entre o que é  oficial (fato) e o que é ficção (imaginário) e passa a ser entendida como uma  representação do real, contrastando-se com o imaginário. 
  O processo de  industrialização, contudo, além de possibilitar a reestruturação das relações  de trabalho, resgatou no mundo corporativo a importância do imaginário para a  compreensão de seu próprio universo. Conhecer esse mundo corporativo a partir  de narrativas geracionais relativas ao imaginário sobre liderança rompe  estruturas fixas, expande a consciência e o saber, modifica o olhar. Entendê-lo  dentro de uma perspectiva geracional repõe as imagens em seus contextos  respectivos, dando-lhes materialidade histórica. Através do movimento de  rememorar/relatar, atualizam-se lembranças, resgata-se a trajetória, confere-se  propriedade aos fazeres quotidianos e reafirma-se a oralidade como expressão do  imaginário.
  É com essa expectativa que  a incursão pelo contexto histórico das gerações, objeto desta pesquisa, toma  corpo na seção que se segue.
Rememorar  não é reproduzir. Rememorar é resgatar e reconstruir. Relembrar é processo  dinâmico em que as imagens dançam ora assumindo nitidez límpida, ora se tornando  fugidias como a fluidez das águas entre os dedos e ainda assumindo um  enevoamento opaco. Constitui-se, pois, em um vaivém dinâmico que não permite um  enquadramento preciso e estático. É, portanto, através do imaginário que se  torna possível caminhar por essas trilhas de imagens cambiantes e sedutoras.  Para compreendê-las é necessário que se recorra aos fatos, mas também às  representações, aos símbolos, aos valores e às ideologias presentes. Contudo  não se pode perder de vista que
  O imaginário não é um  mero reflexo de uma realidade material acabada. Tal concepção estática do  imaginário, subproduto de uma ontologia platônica, da crença na existência de  um mundo de idéias puras separadas do real efetivo, foi ultrapassada por uma  visão mais dinâmica do fenômeno, baseada em compreensão ampliada do  funcionamento dos sistemas simbólicos no interior das sociedades. (VARGAS, 1999, p. 176-177).
  A seguir  percorre-se o universo ou contexto imaginário brasileiro compreendido entre a  década de 1960 e a primeira década do século XXI. Parte-se de um compromisso despretensioso,  pois que não se propõe esgotar toda uma descrição histórica social ou econômica  e nem tampouco a reconstituição da história política ou de eventos em cada  década. 
  Pretende-se  sim dar relevância às contingências sociais e às imagens construídas,  atentando-se em especial para a juventude em cada  época, num esforço de compreender os imaginários representativos das três  gerações objeto desta pesquisa. 
  Os eventos  políticos, econômicos, sociais e culturais estão a serviço de uma viagem ao  imaginário de então e de seu mapeamento. O diálogo com os autores é o suporte  sobre o qual se pretende descobrir alguma abertura para se enxergar a materialidade  imaginária, na certeza de que é pouco provável que se consiga capturar a  essência da sociedade brasileira, mesmo que circunscrita em uma década ou tempo  específico, pois “não existe essência de uma sociedade. Há uma cultura, moldada no  movimento incessante dos acontecimentos, das utopias, das políticas de  transformação ou conservação” (SILVA, 1996, p. 38).  
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